Frankenstein e a essência da temática CTS

A primeira edição de Frankenstein, principal obra de Mary Shelley, é publicada em 1818 e, embora o movimento de Ciência, Tecnologia e Sociedade venha a surgir e expandir-se somente no século seguinte, a partir de 1960, este peculiar e profundo romance científico demarca o início das reflexões e mudança de visão com relação as ações, consequências e inserção da ciência e tecnologia juntamente a vida humana.

Esta clássica obra de ficção apresenta ao leitor a trajetória de Victor Frankenstein, jovem proveniente de família abastada que, muito antes de inserir-se no contexto dos estudos e pesquisas científicas, sonhava ser capaz de descobrir os segredos que permeiam e delimitam a vida e a morte. Tendo iniciado seu processo de educação superior, o personagem tem acesso ao conhecimento científico e aos meios que, pouco a pouco, permitem o crescimento de sua curiosidade e ambição, direcionando-o para estudos, pesquisas e experiências relacionadas a questão do nascimento, do exato momento em que uma vida tem início. Desta forma, Victor Frankenstein busca, de maneira desesperada, e, nunca refletindo sobre as possíveis consequências de seus atos, criar e dar vida a um novo ser.

Quando todos os estudos são finalizados, as experiências demonstram-se positivas e, a complexidade ligada ao empreendimento é superada. No momento em que a criatura ganha vida, abre os olhos para um novo e desconhecido mundo, seu criador percebe, assombrado, os limites que ousou transpor. A partir deste momento, o criador abandona sua criação para a própria sorte, mal sabendo, porém, que toda e cada uma de suas ações, escolhas e direcionamentos, sua própria criação, seria responsável pelas consequências e desafios que assolariam sua vida e daqueles que lhe eram caros.

Com uma aparência grotesca e sem qualquer conhecimento de mundo, após diversas desventuras, ele percebe sua completa desconexão perante a espécie humana, refletindo se não seria “[...] o homem, ao mesmo tempo, de fato, tão poderoso, virtuoso e magnífico e, no entanto, tão vicioso e desprezível? Pareceu-me, simultaneamente, um mero herdeiro do princípio do mal e, por outro lado, tudo o que pode ser concebido como nobre e divino. ” (SHELLEY, 2017, p. 131). 

Imagem de divulgação da edição publicada pela editora Darkside Books

Por meio desta clássica obra de ficção, Mary Shelley reflete sobre a transposição dos limites do conhecimento científico, destaca a falta de reflexão e criticidade perante o desenvolvimento de experiências ou produção de aparatos que, contém em sua essência, tanto aspectos negativos quanto positivos. Da mesma forma, ainda que de maneira indireta, a autora destaca a imprevisibilidade presente em estratégias, processos ou aparatos científico tecnológicos, uma vez inseridos no contexto da sociedade e/ou meio ambiente. Com assuntos e reflexões tão caros a temática de Ciência, Tecnologia e Sociedade este livro abre espaço para discussão e debate acerca do momento atual, dos elementos e desafios que compõem nossa sociedade, servindo como veículo para a introdução e reconhecimento dos principais objetivos, bem como a própria essência do movimento CTS.

Desde a publicação e nascimento do monstro criado por Mary Shelley, nossa realidade transformou-se, direcionando sociedade e ambiente para caminhos nunca antes imaginados, mas também, para desafios marcados pela imprevisibilidade e consequências negativas de um contexto fortemente baseado em ciência e tecnologia. Aparentemente, ainda não fomos capazes de perceber as reflexões desta obra, assim como não reconhecemos os conselhos presentes em sua essência. Desta forma, destaca-se a importância da reflexão, e a necessidade de que, ainda que por intermédio de uma obra de ficção e do contraponto deste com discussões atuais, sejamos capazes de perceber a necessidade de prudência e responsabilidade para com os caminhos que nossa sociedade pretende trilhar.


Referência:
SHELLEY, Mary. Frankenstein. Rio de Janeiro: Darkside Books, 2017. 304 p. Tradução: Márcia Xavier de Brito.

Comentários

Postagens mais visitadas